Raquel tinha 29 anos, era assistente social da Prefeitura do Recife e do Estado de Pernambuco. Funcionária pública concursada de âmbito municipal e estadual, fato que dava muito orgulho aos pais e que vez ou outra ela usava apenas para se amostrar, pois ser aprovada em dois concursos públicos é êxito de pessoas inteligentes, esforçadas e focadas em seus objetivos.
Mas Raquel estava na verdade bem frustrada com sua tal estabilidade profissional. A defasagem do salário de um servidor municipal é muito grande, em pouco mais de 3 anos o salário de Raquel valia pouco mais da soma de um salário mínimo com os beneficios de programas sociais, para os quais ela trabalhava. A realidade do Estado não era muito diferente: dois terços de seu salário eram apenas benefícios que sumiriam após a aposentadoria.
- Logo na aposentadoria! Velho precisa de tanto remédio e plano de saúde. Uma injustiça!
Raquel preocupava-se demais com seu futuro. Estabilidade era algo muito importante, mas uma velhice segura e confortável muito mais.
Então Raquel decidiu-se a sair desses empregos que juntando os dois não somavam um que prestasse. A saída seria um concurso público de âmbito Federal.
Apesar da frustração profissional, Raquel tinha sorte no amor. Era casada e muito bem casada. Ela não fazia muita propaganda do marido pra não gerar inveja. Tinha medo do famoso olho gordo. Lukas era um homem muito educado, romântico, fiel, bonito, inteligente. Um verdadeiro príncipe suíço perdido na caótica Recife. Em casa, a vida do casal era só romance com cenas de cinema europeu.
Raquel sonhadora, desejava viver na Europa. Numa casa estilo chalé suíço vendo a neve cair pela janela. Na primavera andar de bicicleta e no verão fazer topless nas praias espanholas.
Chegou o grande dia que Raquel com satisfação pediu exoneração de seus dois cargos públicos e bem arrogante despediu-se de suas ex-colegas de trabalho.
Ela, Lukas e os dois gatos foram para a rica Suíça. Raquel aprendeu alemão, conseguiu um emprego de estagiária em uma fundação para pessoas com deficiência física. Lukas, como um legítimo suíço, começou a trabalhar em um banco.
Dois anos depois, Raquel descobriu que a neve de verdade não é nada charmosa e que o frio é mesmo de lascar, como uma boa nordestina poderia avaliar. Andar de bicicleta é muito cansativo e uma praia cheia de mulheres de topless é um pouco constrangedor para sua formação moralista de pai militar.
Mas Lukas era realmente inteligente. Ele passou em um concurso público na Suíça para trabalhar no serviço consular, e quem sabe no futuro se tornar um consul. Com esse novo emprego, eles podem morar em qualquer lugar do mundo e a cada quatro anos terão que mudar de país.
Raquel ficou chocada com essa nova vida. Afinal ela agora se tornou acompanhante de um consular e tem os seus afazeres como cursos de etiqueta, aprender idiomas e fazer os hobbies que quiser. Raquel não precisa mais trabalhar para se sustentar, como diz a mãe: casou com o marido certo. Mas essa vida nova não é fãcil e Raquel precisa se adaptar a vida de dona de casa com muito tempo livre. Ela percebeu que certas atividades que antes ela não tinha muito tempo para se dedicar, agora ocupam um grande espaço em sua vida como ler os sites de fofocas e jogar Candy Crush no seu tablet.
Ao invés de cenas de cinema europeu, Raquel passou a viver um seriado norte americano.